A Extensão Universitárias na Universidade de Anísio e Darcy

Por Penildon Silva Filho*.
 
No último 22 de abril, a Universidade Federal da Bahia aprovou uma resolução que regulamenta a inserção, o desenvolvimento e o registro das atividades de Extensão Universitária nos currículos dos cursos de Graduação. Agora todos os alunos ao final do curso deverão ter 10% de sua carga horária em atividades de extensão. Esse passo dado pela primeira e maior universidade federal no Estado da Bahia não se constitui em uma ruptura na sua trajetória ou numa mudança de concepção sobre a instituição; ao contrário, é a afirmação e o aprofundamento de um projeto brasileiro de universidade, que sedimenta as atividades de extensão que já vem sendo desenvolvidas pela Universidade. Mesmo assim, não deixa de ser uma grande oportunidade para repensar os currículos, fortalecer as relações com a Sociedade, movimentos sociais, órgãos públicos, empresas, terceiro setor, para o que a Universidade contribuía para a conformação de um novo projeto de nação, num momento em que há uma destruição da política educacional, da política de Ciência e Tecnologia e de todas as políticas públicas consagradas pela Constituição de 1988.
 
A UFBA e as demais universidades federais já tinham uma tradição extensionista, seja com projetos como o de Cansanção na década de 1980, ou o programa UFBA em Campo na década de 1990 e mais recentemente as Atividades Curriculares em Comunidade e Atividades Curriculares em Comunidade e Sociedade (ACCS). Essa prática da extensão vem alicerçada na função para a Universidade brasileira definida pelo povo no processo constituinte de 1987 e 1988, com a Constituição estabelecendo que para se definir uma instituição como universitária, dever-se-ia ter ensino, pesquisa e extensão.
 
Segundo o fórum de Pró-Reitores de Extensão das universidades públicas, “A Extensão Universitária, sob o princípio constitucional da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, é um processo interdisciplinar, educativo, cultural, científico e político que promove a interação transformadora entre Universidade e outros setores da sociedade”. Essa interação transformadora pressupõe algum grau de autonomia e protagonismo estudantil e significará muito para o processo formativo desses alunos, que em interação com a Sociedade poderão experimentar a aplicação de teorias, ganhar habilidades de trabalhar em grupo, planejar atividades, avaliar projetos e programas, liderar processos, formar valores de defesa da Cidadania, da Liberdade, da inclusão social, da Democracia, do respeito aos diferentes na cultura hegemônica na Sociedade.
 
Trata-se de uma interação que a Universidade se beneficia na formação de seus alunos e no repensar de sua formação e seu currículo, ultrapassando o estereótipo de que a Universidade deve salvar ou libertar a Sociedade, numa atitude redentorista ou olímpica. Essa visão de formação e extensão se alicerça em uma história que construiu o nosso conceito e nossa práxis universitária e pode encontrar muito de sua síntese no pensamento e no esforço de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro. O primeiro com o Manifesto dos Pioneiros da Educação pela Escola Nova de 1932, com o título “A reconstrução educacional no Brasil: ao povo e ao governo”, afirma: “a educação como uma função essencialmente pública; a escola deve ser única e comum, sem privilégios econômicos de uma minoria; todos os professores devem ter formação universitária; o ensino deve ser laico, gratuito e obrigatório”. Nesse manifesto não se deixa de colocar a Universidade como central num projeto de desenvolvimento da Educação em todos os níveis e como uma instituição que não seja apenas a reprodutora de um conhecimento já estabelecido, mas comprometida com a produção de um novo saber, com a socialização das principais contribuições científicas, artísticas e culturais da Sociedade e com seu avanço. Não deixa de haver uma inspiração na Universidade alemã de Humboldt, que em 1870 lançou as bases da Universidade de Pesquisa que influenciou e moldou as universidades em todo o mundo. O projeto universitário não é para apenas dar aulas, mas para pesquisar e contribuir com a produção científica, artística e cultural, formar lideranças, interagir com a Sociedade na construção de uma verdadeira democracia, ter uma inserção internacional da produção do saber.
 
Anísio Teixeira criou a Universidade do Distrito Federal (UDF) em 1935 com esse intuito e que foi uma grande inovação no cenário brasileiro, ao lado da Universidade de São Paulo (USP) de 1934, ao estabelecer que a entrada nas universidades deveria ser pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras para permitir uma formação mais sólida e interdisciplinar. Em 1937 essa experiência que congregou professores de vários países foi desmontada pelo regime do Estado Novo, de perfil autoritário e centralizador, e Anísio foi perseguido, tendo que se refugiar no interior da Bahia para escapar da repressão daquele período.
 
Posteriormente, com o fim do Estado Novo e a ascensão de Juscelino Kubitscheck à presidência, iniciou-se a construção de uma nova capital, Brasília, e nesse projeto Darcy Ribeiro e Anísio estiveram juntos para convencer ao presidente que esse empreendimento estaria incompleto sem uma Universidade. Eles obtiveram êxito nesse esforço e juntos delinearam uma instituição que acabou por influenciar o nascente sistema universitário nacional, com pesquisa básica e aplicadas de ponta, altos investimentos na pós-graduação, um corpo docente voltado para a pesquisa e a extensão além do ensino, rompendo com a lógica do professor horista e “dador de aulas” apenas, que até hoje estão em instituições privadas que não tem como responder a um projeto de longo prazo de instituição de ensino, pesquisa e extensão que demanda tempo para refletir, pesquisar, publicar, participar de congressos, interagir com a comunidade científica.
 
Antes da criação da USP e da UDF e da consolidação do sistema federal a partir das décadas de 1950 e 1960, o ensino superior Brasileiro era caracterizado por ser ajuntamento de faculdades isoladas, voltadas à formação profissional e exclusivamente para o ensino e com um acesso extremamente restrito às camadas mais ricas da Sociedade, um misto dos modelos português e francês anteriores à Universidade de Pesquisa de Humboldt. Além dessa influência alemã, Anísio e Darcy foram influenciados certamente pela Reforma Universitária de Córdoba (1918), que se tornou a principal referência para definir a identidade da universidade latino-americana baseada nos seguintes princípios: autonomia universitária, gestão democrática, gratuidade do ensino superior e compromisso social. “Hoje, a construção de uma universidade pública, democratizada e comprometida com um projeto de nação, guarda sua inspiração básica nessas conquistas históricas. Tal dinâmica, porém, incluindo a expansão da educação superior privada, não nos deve afastar da missão fundadora da universidade latino-americana” texto cuja fonte foi MEC, projeto de reforma universitária, de 2004 e 2005, ao comentar a Reforma de Córdoba.
 
Nesse âmbito, a UFBA se consolida nas décadas de 1960 e 1970 como uma instituição com graduação e pós-graduação de qualidade, com uma forte área de artes, apenas equiparada pelos cursos de artes da UFRJ, uma tradição na Saúde que é referência na formação e na pesquisa mundialmente, um hospital universitário referência no Brasil, uma área de Geologia e Geociências ligadas à Petrobras, dentre outros traços característicos. Anísio e Darcy compreendiam que a Universidade deveria estar profundamente ligada a um projeto de nação soberana, e para isso devemos ter soberania científica, tecnológica e soberania cultural, com o objetivo da superação dos grandes problemas nacionais do subdesenvolvimento, como a fome, a exclusão, a necessidade de uma reforma urbana e a falta da estruturação de um sistema educacional único e integral que permitisse que todas as classes pudessem ter acesso aos estudos superiores e a posições de prestígio na Sociedade.
 
Nesse âmbito, a Universidade brasileira vai consolidando uma concepção de extensão universitária, e a UFBA com sucessivas ondas de iniciativas extensionistas consagrou uma formação vinculada à realidade social, enriquecendo a formação de seus alunos. O desafio atual não será apenas criar mais atividades de extensão com essa resolução que a Universidade aprovou, mas de reconhecer, registrar, valorizar e ampliar as atividades de extensão que já são realizadas regularmente, pelas pelos ACCS, pelos diversos laboratórios, pelas empresas juniores, pelas Ligas Acadêmicas, por professores em todos os departamentos e por técnicos de diferentes unidades. As Atividades de Extensão inseridas no currículo, necessariamente segunda a resolução deverão estar “vinculadas a um componente curricular integrante da matriz do Curso - seja disciplina, atividade, estágio ou atividade complementar - e poderão se desenvolver na forma de programa, projeto, curso, oficina, evento, trabalho de campo ou prestação de serviços.” Nessa diretriz, um componente curricular das modalidades disciplina ou atividade pode ter a totalidade ou parte de sua carga horária atribuída como Extensão, e Atividades Complementares ou estágios que tenham uma prática extensionista podem ser aproveitados.
 
Trata-se de uma oportunidade para aprofundar a relação da Universidade com a sociedade, com os movimentos sociais, com os movimentos e instituições culturais, educacionais, com a agricultura familiar e agroecológica, com a pesquisa visando a preservação do meio ambiente, com uma atuação visando a promoção de direitos humanos e contra as discriminações. Uma extensão que também fortaleça a setor produtivo, desde que lastreado pela sustentabilidade social, econômica e ambiental; um aprofundamento das parcerias que já temos com os poderes constituídos, contribuindo para a melhoria das políticas públicas de Saúde, Educação Segurança, de Assistência Social, de meio ambiente.
 
*Professor Associado da UFBA e doutor em Educação
 
Fonte: Bnews, para ver clique aqui.
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